terça-feira, 10 de julho de 2012

Do conceito de Justiça







A discussão a respeito do real significado daquilo que especulamos idealmente ser a justiça gastou ao longo dos séculos a tinta e pena de muitos filósofos e juristas. Entrementes, tal conceito permanece, ainda hoje, ora um tanto quanto abstrato, ora genericamente empobrecido, dogmatizado friamente na rotina ordinária dos tribunais, recebendo cura meramente semântica na boca de muitos magistrados ainda padecidos pela chaga do tecnicismo mecânico e do normativismo insensível, destituído assim de seu substrato axiológico primordial. As acepções transformaram-se multiformes e relativizadas, subsistindo na zona da indefinição e impalpabilidade


No nosso entendimento, justiça significa dar a cada um o que lhe é de direito na devida medida, assegurar que todos sejam livres e iguais. Justiça significa DAR CONDIÇÕES MATERIAIS MÍNIMAS ÀS PESSOAS para que possam fazer suas escolhas existenciais. A justiça é a guardiã da cidadania e da constitucionalidade. É o anteparo do cidadão para ver concretizados seus direitos individuais e os de toda coletividade.

Nossa Carta Magna de 88, sob sua égide, conferiu importância precípua a tal conceito, introduzindo no âmago do ordenamento jurídico pátrio conceitos como a função social do contrato e da propriedade privada, outrossim guarnecendo enfaticamente o rol de direitos fundamentais, sobremaneira o Princípio da Dignidade Humana.

Contudo, muitas vezes, aos lançarmos olhares mais argutos à realidade objetiva, verificamos o cabal descumprimento do exemplário principiológico referido, como também às exortações constitucionais asseverando sua proteção; diga-se, dos direitos fundamentais insculpidos formalmente na Carta da República. Vivemos diante de um contexto histórico-social em que princípios e práticas se agridem mutuamente a todo instante. 

Tratemos, por exemplo, do princípio da isonomia. Como pode um princípio de um padrão igual de medida, válido para todos os cidadãos do Estado, diante de um contexto histórico-social em que princípio e prática se agridem mutuamente? O Direito da classe dominante que sanciona, principiologicamente, um padrão de medida igual - surgindo, pois, como Direito FORMAL da igualdade –, é, na prática, Direito da desigualdade de classes desiguais MATERIALMENTE. Nesse sentido, podemos aplaudir o escólio de GONÇALVES DA SILVA (2007, p. 168), ao ponderar acerca da Teoria da Justiça em Marx:

“A crítica de Marx ao capitalismo, do ponto de vista de sua teoria da justiça, está calcada num pressuposto sobre o que viria a ser uma troca justa. Uma troca justa é aquela em que homens livres, com autonomia a liberdade, trocam bens e serviços no mercado de tal forma que nenhuma das partes é lesada
.
(...)

Para Marx, embora o capitalismo esteja baseado no trabalho livre, a propriedade privada dos meios de produção, por parte dos capitalistas, implica necessariamente a não-propriedade por parte dos trabalhadores, ou a destituição., Na venda da força de trabalho no mercado de trabalho, os trabalhadores não recebem todo o valor gerado na produção das mercadorias. Uma parte do valor, a mais-valia, é apropriada privadamente pelos capitalistas. Nesse sentido, portanto, a troca que ocorre entre trabalhadores livres e capitalistas no mercado de trabalho é injusta.

(...)

No capitalismo, portanto, o conflito é regra, não a exceção e, nesse sentido, o capitalismo representaria uma forma de produção incompatível com a paz social: ele reproduziria potencialmente um estado de natureza hobbesiano.”

Neste contexto, salienta Marx, precisamente, que, tendo suas raízes nas condições de vida material de épocas históricas determinadas, as relações do Direito – como as formas do Estado - não podem, com efeito, ser compreendidas a partir de si mesmas. Declara Marx: “O Direito não pode ser nunca mais elevado do que a formação econômica e o desenvolvimento sócio-cultural que é por ela condicionado”. Ou seja, de nada adianta o processo de formulação e promulgação FORMAL de direitos, pois a realidade material que os enseja está intrinsicamente em contradição com o escopo dos mesmos. É a questão do enfrentamento entre "Constituição real" contra a " Constituição escrita" de que falava Ferdinand Lassale.


Advertia Lassale que uma Constituição escrita só é boa e duradoura quando corresponder à Constituição real, ou seja, quando refletir os fatores reais e efetivos do poder.

Neste diapasão, leciona Lassale: "De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder."

É evidente que nem tudo que está previsto na Constituição pode ter aplicação "efetiva" por parte do poder público, e por vários motivos: falta de dinheiro, prioridades etc. É a chamada "reserva do possível"; mas mesmo assim o "mínimo existencial" do qual falei anteriormente deve ser garantido. Ana Paula de Barcellos escreve sobre isso em: "A eficácia jurídica dos princípios constitucionais". O entendimento mais "moderno", a partir da disseminação do neoconstitucionalismo, vai ao sentido da aplicabilidade direta e imediata das normas da Constituição, notadamente as referentes à proteção e promoção dos direitos fundamentais. Falar, por exemplo, em "direito à educação" e nada fazer nesse sentido (dizendo que é uma norma meramente programática) é fazer da CF letra morta. Bonito no papel, e só isso.

             A respeito,faz-se pertinente, enfim, a reprodução de brilhante trecho do voto do MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI na ADPF 186 (cotas raciais), proferido durante sessão plenária do Egrégio Supremo Tribunal Federal, no qual sentenciou com clarividência oracular que: “É escusado dizer que o constituinte de 1988 – dada toda a evolução política, doutrinária e jurisprudencial pela qual passou esse conceito – não se restringiu apenas a proclamar solenemente, em palavras grandiloquentes, a igualdade de todos diante da lei. 

              (...) Para usar as palavras de Boaventura de Sousa Santos,“(...) temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades ”.

             É bem de ver, contudo, que esse desiderato, qual seja, a transformação do direito à isonomia em igualdade de possibilidades, sobretudo no tocante a uma participação equitativa nos bens sociais, apenas é alcançado, segundo John Rawls, por meio da aplicação da denominada “justiça distributiva”.

Só ela permite superar as desigualdades que ocorrem na realidade fática, mediante uma intervenção estatal determinada e consistente para corrigi-las, realocando-se os bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício da coletividade como um todo. Nesse sentido, ensina que: “As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos ”.

O grande jurista Hans Kelsen, por exemplo, após passar toda sua vida acadêmica discorrendo a respeito da problemática consoante a tal tema, terminou sua atividade intelectual escrevendo um livro intitulado “O que é Justiça?”, onde afirma que o importante não seria fornecer definição cristalina e categórica a respeito da supracitada matéria, mas sim jamais cessar o questionamento, a jacente reinvenção de respostas sobre o tema. Destarte, de acordo com a lavra kelseniana, não interessaria saber “o que é justiça”, mas sim nunca deixar de perguntar.

Teoria Geral do Oportunismo



"Um homem é verdadeiramente ético apenas quando obedece sua compulsão para ajudar toda a vida que ele é capaz de assistir, e evita ferir toda a coisa que vive." (Albert Schweitzer)


Com o dealbar do pós-modernismo, vivemos, pois, uma época de pós-moralidade. Época de desprezo por valores deontológicos incondicionais mais elevados e indiferença em relação ao bem público. O ethos atual é o do hedonismo desenfreado e da exaltação do individualismo, visando somente o momento presente, negando a necessidade do comprometimento com o outro e de olhar para o passado ou contemplar o futuro. O agora tornou-se o novo mantra. O que importa é "viver tudo" - e não compreender nada. Ocorre que viver, meus amigos, não é o suficiente. O que interessa não é viver, e sim entender por e para que se vive. Já dizia Pascal: "O pensamento é a nossa dignidade. Tratemos, por conseguinte, de pensar bem, pois aí está o princípio da moral". Nossa atual cultura perdeu o amor pela verdade. A busca da gratificação, do prazer e realização individual instantâneos virou o ideal supremo. O custo? Não importa. Passar por cima dos outros, ferir as pessoas? Necessário. O prazer e utilidade efêmeros que podemos extrair das situações e pessoas é que comandam. Caráter e palavra viraram relatividades subalternas regidas pela circunstâncias e momentos. Passamos à margem de uma notável lição do filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella. Para ele, Ética são os valores que guiam e definem o que se quer, o que se pode e o que se deve fazer. Por quê? Porque nem tudo o que eu quero eu posso, nem tudo o que eu posso eu devo, e nem tudo que eu devo eu quero. Hoje, desgraçadamente, Ética virou verbete sequestrado pela urgência dos interesses; condicionado pelos imperativos do tempo.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A necessidade do desnecessário.

Todo mundo apavorado com o que aconteceu na marcha da maconha.

Pois eu não entro nessa. Por chatice empírica e convicção deliberada.

É um absurdo, que enquanto a juventude dos anos 60/70 falava em comunismo, em democracia, a atual fala em "marcha da maconha", uma vergonha essa geração atual.

Existe uma linha muito tênue que separa concretamente um degenerado fascista de um degenerado drogado que se acha progressista, democrático, anarquista, socialista, marxista e outras coisas respeitáveis.

Qualquer estudantezinho da USP que realmente tem algum respeito ou consideração pelo marxismo deveria condenar a marcha da maconha e sempre que possível até organizar outra marcha para impedir a marcha da maconha. Não se pode deixar que uma causa justa seja monopolizada pela direita.

Aliás, todo mundo fuma maconha, quando bem entende e sem ninguém encher o saco. O consumo de maconha já foi despenalizado no Código Penal. Não entendo a razão de ser dessa porra de marcha. Decerto foi fazer apologia ao uso mesmo. Um bando de moleques buscando emoção para a própria vida.

Acho que esses pivetes querem uma sociedade ainda mais decadente e mais banal ainda por cima.

Tenho peninha do Bakunin, pois se ele conhecesse esses pseudo-anarquistas e libertários-academicistas-maconheiros de DCEs que estão mais preocupados em justificar seus vícios, pregar sua "liberdade" sexual via uma tintura postiça simbológica que eles enxergam no anarquismo, que sequestraram o anarquismo para dar vazão aos seus transtornos de oposição desafiante, que os psiquiatras chamam de TOD, isso com certeza daria um nó na cabeça dele!

Quer "libertar a mente"? Vá ler um livro, alienado do caralho.

Quer "relaxar"? Vá tocar uma bronha ou gozar com uma mulher, moleque ignorante.

E ainda põe camiseta do Che Guevara pra ir nessas porras de marcha e não sei o quê.

O homem daria loopings debaixo da terra se visse que, depois de ter fuzilado/expulsado todos os traficantes, mafiosos, drogados e outros mosquitos da dengue de Cuba, viraria garoto propaganda de hábitos alienantes e que inclusive historicamente já serviram de instrumento de controle burguês. CHE não era um idealista, era um homem de ação. Se ele visse essa desgraça mandaria para o paredão esses tipo que além de maconheiros, reacionários, anti-comunistas, são arrogantes, que vêm com essa merda toda de maconha ainda com ar professoral: "Vamos lá", como se o lugar dos jovens fosse nesta BOSTA de marcha apologética.

E sim, eu já fumei maconha. E é uma merda.

E quem não gostar vai tomar no cu.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Líbia: paralelos entre realidade e ficção.

Che Guevara, no seu livro Guerra de Guerrilhas, um método, afirmou: “As forças populares podem derrotar qualquer exército”. Foi o que ocorreu no Egito. A grande mídia, baseada nestes acontecimentos – e no que aconteceu na Tunísia –, tenta passar a mesma visão para o público em relação à Líbia. Mas não há uniformidade, linearidade nessas revoltas. Cada situação apresenta características pecualiares, particulares, antagonismos específicos. O que está ocorrendo na Líbia não é uma revolução popular, tampouco uma revolução pacífica, como nos outros dois casos. O fato é que os "protestos" são promovidos por pessoas armadas com comando e até mesmo um comitê que se auto-intitula governo provisório, diferentemente das manifestações pacíficas e desarmadas que se verifica nos outros países árabes. Trata-se de uma guerra civil. “O povo” , segundo Karl Marx, é uma abstração. A sociedade civil é dividida em grupos e esses grupos têm seus interesses. Essa revolta é focalizada, não generalizada... focalizada e dividida em dois grupos: situação kadafista x oposição fundamentalista. Trípoli possui quase 2 milhões de habitantes. Nas ruas do Cairo cerca de 2 milhões de pessoas estavam nas praças no dia da queda de Mubarack. Não é o que se vê na Líbia; nem de perto, pelo contrário: a maior concentração de massas já vista até o início deste conflito pôde ser conferida no segundo discurso de Kadafi na Praça Verde de Trípoli, uma aglomeração popular em seu apoio.

Para compreender parcialmente a questão da Líbia, faz-se necessária uma visita ao passado. A verdade sobre Kadafi é que logo depois da revolução que derrubou a monarquia, Kadafi, associado a outros governantes árabes, estabeleceu uma linha de contestação com os norte-americanos que apoiavam Israel. Como, naquela oportunidade havia a Guerra Fria, estabeleceu-se um alinhamento da Líbia com os soviéticos. Aos poucos, no entanto, principalmente depois da queda da URSS, os demais países árabes foram deixando de se opor fortemente aos EUA, mas Kadafi continuou com a sua feroz oposição. A derrubada do jato de passageiros em Lockerbie, por terroristas líbios, foi a oportunidade que o ocidente precisava para "pegar" Kadafi. Assim, através da ONU, foram votadas pesadas sansões à Libia, que passou a sofrer as consequências disso. Espertamente, Kadafi procurou se acertar com os países ocidentais, entregou os terroristas e se colocou numa posição "amigável" com o ocidente. É isso que alguns analistas não querem compreender ao dizer que o governante líbio traiu suas antigas convicções. Em vez de verem o que realmente ocorreu, ou seja, uma jogada estratégica de Kadafi para conseguir continuar governando a Líbia, viram uma rendição à comunidade internacional e uma traição às suas antigas posições. É claro que esses "analistas" nem imaginam o jogo pesado que se joga na arena internacional. Ignoram as pressões que se abatem sobre um governante "não alinhado"com o sistema de poder global liderado pelos EUA. Pois bem, essas pressões determinaram a mudança de postura "estratégica" de Kadafi, que os nossos analistas erroneamente interpretam como uma rendição ao ocidente. A diferença é clara, Kadafi é do tempo de Gamal Abdel Nasser e de outros líderes nacionalístas árabes a favor do pan-arabismo e da libertação da Palestina do jugo israelense. Eram também do tempo da Guerra Fria e, com isso poderiam desancar aos EUA quando bem entendessem, porque estavam cobertos pela URSS. Depois do fim desse regime, tudo mudou. Esses outros ditadores passaram naturalmente ao lado do Tio Sam. O único que sobrou dos tempos de Guerra Fria foi o velho beduíno da tendas Kadafi. Essa é a diferença. A oposição fundamentalista é muito forte dentro da Líbia desde 1993, quando Kadadi cortou relações diplomáticas com o Irã devido ao apoio deste governo a grupos extremistas líbios. Em 1997, 15 agentes fundamentalistas foram condenados e fuzilados por infiltração nos quadros do exército e por espionagem .

Vale lembrar que Kadafi liberalizou os costumes do islã na Líbia, tornou-os facultativos, permitindo assim maior liberdade de ação e uma nova dinâmica social de convívio para as pessoas, sobretudo às mulheres, presas à burca e outros atrasos carcerários dos preceitos islâmicos. Não é de hoje que os fundamentalistas religiosos tramam para a derrubada do regime não e, o que parece mais evidente, tendo em vista o passado histórico, é de que se aproveitaram do momento de extrema tensão política e revoltas em outros países árabes para darem uma conotação, uma fachada democrática às suas ações, como se estivessem lutando contra uma ditadura opressiva de um tirano sanguinário, o que é absolutamente falso. Os números e estatísticas oficiais estão aí para provar o contrário. Do site do jornal Pravda, da Rússia: “Kadafi liderou uma revolução para derrubar o rei Ídris, um fantoche dos interesses italianos e norte-americanos na região. Na época, a maior base militar dos Estados Unidos no exterior estava na Líbia, e Kadafi e seus partidários cercaram a base e deram prazo de 24 horas para todos os estrangeiros invasores deixarem o país. Um fato que a mídia não consegue falsificar – nem mostra, na realidade - é o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) aferido por técnicos das Nações Unidas. Esses dados apontam, por exemplo, que a Líbia tinha, em 1970, uma situação pouco pior que a do Brasil (IDH de 0,541, contra 0,551 do brasileiro). O índice líbio superou o brasileiro anos depois e, em 2008, estava bem à frente: 0,810 (43º no ranking), contra 0,764 (59º no ranking). Todos os três sub-índices que compõem o IDH são maiores no país africano: renda, longevidade e educação. No IDH reformulado a diferença se mantém. A Líbia é a 53ª no ranking (0,755) e o Brasil, 73º (0,699). A Líbia é o país com melhor IDH da África. Portanto, tem a melhor distribuição de renda, tem saúde e educação pública gratuitas. E quase 10% dos estudantes líbios recebem bolsas para estudar em países estrangeiros. Que ditadura é esta? Uma ditadura jamais permitiria esse tipo de política em benefício do povo. Os programas sociais do Coronel Muammar Gathafi na Líbia são muito maiores do que os aplicados nos países vizinhos. Infra-estruturas modernas surgiram nos últimos anos que visam atrair investimento e trazer riqueza acrescentada e desenvolvimento sustentável para os cidadãos da Líbia; o programa Gathafi de alfabetização forneceu a educação universal gratuita e desde que ele assumiu o poder em 1969, a expectativa de vida dos cidadãos da Líbia aumentou 20 anos, enquanto a mortalidade infantil diminuiu drasticamente.Gathafi representa o controle dos recursos da Líbia por líbios e para líbios. Quando ele chegou ao poder dez por cento da população sabia ler e escrever. Hoje, é cerca de 90 por cento a taxa de alfabetização. As mulheres, hoje, têm direitos e podem ir à escola e conseguir um emprego. A qualidade de vida é de cerca de 100 vezes maior do que existia sob o domínio do rei Idris I”.

O líder da Revolução Líbia de 1969, Coronel Muamar Kadafi

Todo aquele que não segue a cartilha neoliberal é considerado ditador. Isso é papo da mídia que, infelizmente, faz a cabeça de muita gente. Qual maior ditadura do que nos EUA, onde quem não tem plano de saúde, por não poder pagar, é despejado dos hospitais e colocado na rua? Essa conversa de "ditador" é/acaba sendo um discurso ideológico, no qual as pessoas embarcam direto. Kadafi comandou uma revolução que retirou o país do atraso monárquico e do alinhamento com os EUA. Isso provocou o ódio desse país que, inclusive, durante o governo do boçal e fascista Ronald Reagan, atacou militarmente Kadafi, bombardeando de forma arbitrária a capital Trípoli e o palácio do governo, matando sua filha adotiva e por pouco não dizimando toda sua família. Politicamente, Kadafi é tão ditador quanto os governantes da Arábia Saudita, Iêmen e de todo o resto do mundo árabe. Só está sendo pressionado agora, ao contrário dos outros ditadores, porque a direita norte-americana, aliada a direita israelense, quer punir Kadafi pelo passado e, é claro, por ter perdido um lacaio estratégico, Hosni Mubarack, realmente deposto pelo POVO. Se eles fossem realmente contra as ditaduras, estariam fazendo carga também contra os outros ditadores do mundo árabe. Se eles fossem a favor dos direitos humanos, levariam ao Tribunal Penal Internacional os governantes eugênicos do Sudão - aliados dos norte-americanos -, país que faz fronteira com a Líbia, onde atualmente ocorre o maior genocídio de minorias étnicas desde o Holocausto, em Darfur, onde cerca de 400 mil pessoas já foram mortas. Quais sanções serão impostas pelo Conselho de Segurança, ou qual pena será direcionado aos que mataram mais de um milhão de civis no Iraque e aos que todos os dias assassinam homens, mulheres e crianças no Afeganistão, onde nos últimos dias a população se lançou às ruas, inflamada, para protestar contra a matança de crianças inocentes? Por que não investigam Ariel Sharon, Ehud Olmert, Benjamin Netaniahu e outros governantes sionistas, responsáveis pela matança de palestinos na Faixa de Gaza? O contexto histórico permite que separemos as coisas e vejamos como elas são na realidade. É preciso levar em conta o contexto internacional, que sempre influiu na região, tendo em vista o petróleo. Como disse, para os EUA ao menos isso é questão pessoal. Mais do que ninguém o pessoalzinho da Casa Branca entra presidente sai presidente segue a risca aquela frasesinha de Robert Kennedy "perdoe seus inimigos mas nunca esqueça o nome deles". Por mais que Kadafi tenha "aberto as pernas" para o capital estrangeiro ultimamente como alguns afirmam, jamais perdoarão o beduíno das tendas por um dia ter batido de frente e enfrentado o Império. Encontraram a oportunidade perfeita de cobrar o atraso por tanta insolência e promovem uma campanha midiático-golpista para trucidá-lo, com juros. A diferença entre essas revoltas é que que o tom das manifestações na maioria desses outros países foram pacificos, na Líbia estão ocorrendo confrontos armados entre pró-Kadafi e opositores Pergunto-me: onde esses rebeldes conseguiram armas? Foram financiados por quem? Kadafi é inimigo moral de Osama Bin Laden e da Al-Qaeda. Quanto aos apoiadores, todos sabemos quem é o líder; e quanto aos opositores, a quem eles irão entregar o poder se acaso vencerem? Há alguns dias saiu uma notícia dando conta de que os rebeldes achavam “tarde demais para tentar uma mediação pacífica com Kadafi”. Coisa engraçada, não?! Reclamam tanto do "banho de sangue", mas quando é proposta uma via pacífica de resolução... "não, obrigado. não queremos"... Isso tudo é medo de que, uma vez pacificada a situação e eleições convocadas, por exemplo, a situação de Kadafi vença por larga margem de votos, como afirmou seu filho em entrevista à BBC? Respeitaria estes rebeldes no momento em que afirmassem: "Não queremos mediação internacional porque queremos derrubar Kadafi na bala não importando o número de vitimados. O nosso sangue é o preço que pagamos pela nossa cota de sacrifício em nome da liberdade pela qual estamos lutando". Agora, esse discursinho hipócrita aí? Uma hora adotam uma posição do tipo "somos pacifistas que condenamos o banho de sangue promovido pelo ditador contra nós, civis inocentes desarmados, queremos que cessem as ações contra os insurgentes", mas quando lhes é oferecida uma saída para o fim da carnificina deles mesmos, "não, não queremos essa mediação pacífica... tarde demais". Discursinho mais conveniente e volátil esse, não?

A situação dos rebeldes é desesperadora (algo meio contraditóro para quem conta com imenso “apoio popular”, diga-se), imploram por uma invasão estrangeira da OTAN em território líbio (algo não muito pacífico para quem se diz preocupado com o “derramamento de sangue" dos "inocentes"), as tropas do exército líbio (majoritariamente fieis ao Coronel Kadafi, diferentemente do que a mídia tenta passar) retomaram cerca de 90% do território que estava em mãos opositoras, e, neste momento, marcham rumo a Benghazi, a “capital rebelde”, vórtice da revolta e, “coincidentemente”, maior reduto de produção de petróleo do país. Civis morreram nas ações do exército? Sim. A questão é: os bombardeios aéreos foram e são direcionados a fim de anular rebeldes armados que lutam contra o governo em uma situação, repito, de guerra civil, ou matar a granel e gratuitamente a população civil desarmada que nada tem a ver com a história? O Ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, em sua intervenção de 1º de março, ante os ministros das Relações Exteriores reunidos em Genebra, afirmou: "A consciência humana repudia a morte de pessoas inocentes em qualquer circunstância e lugar. Cuba compartilha plenamente a preocupação mundial pelas perdas de vidas civis na Líbia e deseja que seu povo alcance uma solução pacífica e soberana à guerra civil que ocorre ali, sem nenhuma ingerência estrangeira, e que garanta a integridade dessa nação". Alguns dos parágrafos finais de sua intervenção foram lapidares: "Se o direito humano essencial é o direito à vida, o Conselho estará pronto para suspender a filiação dos Estados Unidos caso iniciem uma guerra? Serão suspensos os Estados que financiam a fornecem ajuda militar empregada pelo Estado receptor em violações massivas, flagrantes e sistemáticas dos direitos humanos e em ataques contra a população civil, como as que ocorrem na Palestina? O Conselho aplicará essa medida contra países poderosos que realizem execuções extrajudiciais no território de outros Estados, com o emprego de alta tecnologia, como munições inteligentes ou aviões não tripulados? Que acontecerá com os Estados que aceitam nos seus territórios a existência de prisões ilegais secretas, que facilitem o trânsito de voos secretos com pessoas sequestradas ou participem de atos de tortura?"... Ainda do portal Pravda: Os grandes jornais e canais de televisão do Brasil utilizam agências de notícias norte-americanas, todas tendenciosas, mentirosas, enganadoras. As mentiras que as agências de notícias vendem são compradas pela opinião pública brasileira, e a maioria das pessoas por ingenuidade ou desinformação se comporta como marionetes, repetindo aquilo que o governo dos Estados Unidos impõe e determina”.

Só acredita no embuste quem quer. Quem sai por aí falando do que não sabe embusteiro também é!

Links úteis:

Kadafi é um benfeitor da humanidade

http://port.pravda.ru/mundo/04-03-2011/31347-kadafi_benfeitor-0/

Líbia: Toda a verdade

http://port.pravda.ru/russa/26-02-2011/31317-libia_russia-0/

Líbia: Terroristas anti-Gadadi massacraram civis

http://port.pravda.ru/mundo/15-03-2011/31379-libia_massacre-0/

Líbia: o que a mídia esconde

http://www.planetaosasco.com/oeste/index.php?/201103049345/Coluna-politica/libia-o-que-a-midia-esconde.html

A Líbia e o imperialismo

quinta-feira, 10 de março de 2011

Ai esses parasitas pós-modernos...

O apóstolo Paulo tolerava aquilo que ele categorizava "os tolos de cara alegre". Pois é, seu Zé, eu também. Mas, aqueles que me conhecem sabem; minha relação de fé (sic) com a "Santa Paciência" sempre foi marcada pela indignação latente e, ao menor toque de desequilíbrio na balança, uma explosão pode acontecer e o cobre irá derreter. Minha borda já transbordou faz tempo... supersaturou.

Uma amiga de Cuiabá me manda o blog de um tal Danilo Fochesatto (http://ababsurdoadextremum.blogspot.com/), que, segundo consta nos autos, trata-se de um jovem profícuo "escritor" cuiabano. Confesso que depois de consumir a "literatura" do rapaz tive sérios problemas intestinais e necessitei de altas doses de Lactopurga madrugada a dentro para eliminar tamanho monumento fecal do meu reto encefálico. Ao passar os olhos de leve sobre a ortografia fochesattiana, lembrei-me imediatamente do livro "Imposturas Intelectuais", dos físicos Alan Sokal e Jean Bricmon, onde tratam de desnudar impostores pós-modernistas, "literatos", "filósofos", "compositores" etc., que estão ganhando fama e respeito escondendo a falta de talento e conhecimento através de pseudo-intelectualismo, amontoando palavras rebuscadas, a famosa "inutilia truncat". Fiquei sabendo também que o distinto escriba já tem até livro publicado, 8ITO (http://topcuiaba.com.br/conteudo.php?sid=4&cid=1972), título auto-explicativo - e pouco criativo, diga-se. "São oito contos de pura realidade ficcionada" (sic). Para quem se interessou pelo panfleto transgressor, o manuscrito sai pela bagatela de 15 reais - devo alertá-los, contudo, que com 1,90 na banca da esquina você obtém acesso à obras de densidade e profundidade semelhantes, como o Tio Patinhas ou a Turma da Mônica volume em que o Cebolinha vai ao Parque dos Dinossauros.

Danilo aparentemente pode ser catalogado dentro daquele arquétipo que eu simplesmente adoro e fico embevecido quando encontro, o famoso "moleque que não sabe o que faz no mundo". Moleque que não sabe o que faz no mundo é aquele sujeito que tem dificuldade em conhecer a si próprio, então resolve virar um brilhante professor de confusão mental para os outros e criar um mundinho desregrado que só funciona sob a lógica do seu QI de mosquito. A suruba estilística chama atenção nos seus textos. Uma mistura de André Breton com Anaïs Nin com uma pitada de Caio Fernando Abreu, passando de um proto-existencialismo fuleiro até o mais aloprado e hilariante surrealismo em uma troca de parágrafo. É, o cara não é fraco não. Ao ler este menino, lembrei-me também de Freud, em carta para Stefan Sweig, reclamando da utilização totalmente errada de suas concepções, como por exemplo a transformação da livre associação em escrita automática nas obras dos surrealistas: "Eu não entendo o que essa gente vê em mim, eu não entendo nada do que eles falam, do que eles fazem e eu acho que eles são malucos integrais". Freud e Breton trocaram correspondência. Breton ofereceu a Freud "uma coletânea dos seus sonhos", perguntando se o pai da psicanálise teria "interesse" neles. Freud respondeu: "Não tenho o menor interesse nos seus sonhos meu caro, o que me interessa é interpretar sonhos".

Voltando à infantilidade pretensiosa que não tem nada de preciosa: suas construções são elaboradas, cheias de malabarismos metafóricos, falta de linearidade discursiva, emaranhados de prolixidade e figuração desconexas, descrições confusas quando o leitor ainda não está nem familiarizado com os ambientes e personagens, expressões exageradas, drásticas em excesso, abuso de clichês e subjetivismo etc. "Todas as mutações se dão na penumbra, na zona indistinta entre o ser e o não-ser: o jovem, em trânsito entre o que já não é e o que não é ainda, é, por fatalidade, inconsciente de si, de sua situação, das autorias e das culpas de quanto se passa dentro e em torno dele", usando as palavras do mais célebre humorista e guru da direita brasileira. Nada contra valer-se de subjetivismo, impressões pessoais etc. Tudo contra o subjetivismo que está longe de ser aquele que dá a precisão do relato, aquele que consegue inserir o leitor no fato relatado. Mario Quintana falou certa vez que um bom poema é aquele que "lê a gente, e não o contrário". Refiro-me a isto, algo que "dê para pegar". O que não dá mesmo, de qualquer forma, é para cair tão somente na imprecisão lisérgica, na precipitação indeterminada, na falta de nexo causal. Linguagem abstratista, forçada, artificial e artificiosa, que sufoca a experiência direta sob toneladas de construções sem pé nem cabeça. Uma verborréia presunçosa que tentar passar uma ilusão de superioridade justamente no momento em que mergulha no mais fundo poço da estupidez, legitimando um estado de total confusão mental indo do relativismo ao desconstrucionismo. Patifaria intelectual por meio da desordem. Como escreveu Oswaldo Giacoia Jr., reconhecido como o grande estudioso brasileiro de Nietzsche e professor do Departamento de Filosofia da UNICAMP: "O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda; a dor da falta de sentido".

Enquanto ainda me recuperava da má-digestão provocada por este espetáculo de truanice e embuste literário, me senti a testemunha solitária e melancólica de um fracasso geracional. Pensei sobre o fracasso de minha geração, ideologicamente pouco engajada, anarquizante, cheia de vícios pequeno-burgueses, existencialmente frágil e quebradiça, não obstante insolente por insistir em descrever as paisagens de sua miséria humana e definir o caminho dos seus personagens pela terra. Pensei, sobretudo, no futuro esclerosado que representamos...

Subitamente senti uma nostalgia inexplicável e intensa, uma saudade de um tempo de fuzis e pombas que não vi e não vivi, contemplando, modestamente, o retrato de Che Guevara acima de mim, olhando ao horizonte, de boina e cabelos revoltos... prelúdio de uma lenda guerrilheira entre os silêncio e as nuvens dos Andes.



quarta-feira, 9 de março de 2011

Marx e Nietzsche, duas constelações e um destino.

"POR QUE SOU UM DESTINO", capítulo de "Ecce Homo"... lembram? Então, George Lukács (pensador marxista húngaro) nutria uma visão bastante escrupulosa em relação ao pretenso projeto de Nietzsche para a filosofia, já presunçoso na sua mocidade, atingindo o ponto mais elevado (Nietzche curtia um cume de montanha, hum?!) no final deste mesmo "Ecce Homo". "Eu carrego nos ombros", escreve o pensador, "o destino da humanidade” (Ecce Homo, O Caso Wagner, §4). Em "Por que sou um destino", ele vai tão longe, a ponto de nomear a si próprio como um destino. Nenhum filósofo antes de Nietzsche se expressou assim: ninguém se declarou como um destino, não apenas da filosofia, mas também da própria humanidade. Pois é, Lukács via a filosofia de Nietzsche como um destino sim, mas o da "destruição da razão".


Para George Lukács, longe de representar o "futuro da filosofia e o destino da humanidade", Nietzsche caiu em um universo conceitual idealista e metafísico, algo totalmente anti-materialista e anti-dialético. O que Marx diria da sua filosofia: "O ópio do indeterminismo?"

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Lukács:

"Não há um único motivo da estética fascista que não proceda, direta ou indiretamente, de Nietzsche; não vale a pena enumerá-los aqui, a comecar pela doutrina do mito e do antirrealismo."

1) Lukács se interessa por Nietzsche como pensador da estética (e não como pensador a priori). Ele quer saber quais sãoo os juízos estéticos de Nietzsche, como ele avalia as principais questoes (gosto, prazer, verdade) ligadas à arte. O modo como ele Lukács chega a esse objeto é o método marxista. É como um materialista histórico que ele analisa Nietzsche, e isso implica: 1) ver Nietzsche historicamente situado e 2) analisar Nietzsche dentro do sistema produtivo ou, se isso nao for possível, buscar nele indícios do conflito de classes. Método: marxisto e historicismo. Objeto: como Nietzsche se relaciona com a estética.

(...)

2) Lukács, por sua vez, quer Nietzsche como uma figura de seu tempo, limitada, determinada por condicoes históricas. Ele está interessado no Nietzsche como um resultado do processo histórico. É claro que o marxismo de Lukács é desenvolvido a ponto de conceber grande liberdade subjetiva a todos os indivíduos, o que lhe faz considerar Nietzsche como um grande pensador, um filósofo de primeira linha, um ser realmente autentico. É por isso que, para um historiador (ou um pensador de epistemologia materialista-histórica), Nietzsche é também um prato cheio.


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I want no `believers'. I think I am too malicious
to believe in myself; I never speak to masses. - I have
a terrible fear that one day I shall be pronounced
holy.
Friedrich Nietzsche, Ecce Homo,1885

In 1952 Georg Lukács wrote one of the great denunciations of a major Western philosopher. The Destruction of Reason introduces Nietzsche as a vigorous campaigner in a bitter ideological war waged by the bourgeoisie against the historical ambitions of the European proletariat in the last decades of the nineteenth century. Lukács describes Nietzsche as an astute witness to the cultural psyche and an uncanny diviner of the particular mix of needs experienced by the German intelligentsia throughout this turbulent period. Hungry for cultural rebirth yet fearful of social and political change, the nervous and confused intelligentsia discovered in Nietzsche's philosophy just the sort of mythologized images of a rebellious, creative spirituality it craved. As a receptacle for the malcontent consciousness and disappointed hopes of the intelligentsia, Nietzsche's philosophy functioned to drive this group further into a retreat from real historical processes, snapping any potential ties with the real bearers of cultural renewal - the European proletariat.

Lukács at this time refuses to be taken in by Nietzsche's explicit denials of the systematic character of his thinking. By building up a portrait of those elements which enabled this philosophy to perform a vital ideological role in the class struggles of its age, Lukács discovers its real coherence and system. His philosophy performed the social task of `rescuing' and `redeeming' the German intelligentsia. It offered:

a road which avoided the need for any break, or indeed any serious conflict, with the bourgeoisie. It was a road whereby the pleasant moral feeling of being a rebel could be sustained and even intensified, whilst a `more thorough', `cosmic biological' revolution was enticingly projected in contrast to the `superficial', `external' social revolution.

For the later Lukács, unsystematic Nietzsche is simply a disguise through which the organizing ideological significance of his work must be discerned.

In the deluge of recent literature on Nietzsche, Lukács's sweeping condemnation is generally passed over in silence or used to illustrate the inadequacy of a totalizing ideological reading of this supposedly open-ended and anti-systematic philosophy. Although it was written only some fifty years ago, the philosophy of history and the political commitments which inspire Lukács's Nietzsche critique speak to a contemporary audience as from a dead epoch. This denunciation posits a reader already convinced that the realization of humanity's telos is self-evidently identified with the socialist cause. In the wake of the collapse of Eastern-bloc socialism, and with the rise of new social movements, such a reader has become virtually extinct. To late-twentieth-century critics of modern society, the very radicalness of Nietzsche's attack on the key values of modernity is the essence of his appeal. In particular, Nietzsche's reflection on knowledge and power, with its fundamental premiss that reason is nothing more than a perverted and disguised will to power, has been embraced by a generation discontented with the fruits of Enlightenment. In the face of the intensified, multidimensional vision of modernity's `iron cage', modern readers of Nietzsche have found a seeming ally in their suspicions regarding all humanist assertions of solidarity and all appeals to humanity's telos. Nietzsche's attack on the levelling image of equality harboured by the Christian bourgeois tradition has seemed to some radical critics of late modern society to voice their own crisis of faith. Foucault, for example, has described his own critique of the disciplinary society as `quite simply Nietzschean' in motivation.

In Nietzsche's repudiation of the principle of equality and in his loathing of the `herd', the committed communist Lukács discovers a backward-looking repudiation of the positive achievements of modernity. By contrast, contemporary interpreters have tended to seek in Nietzsche an advocate of their own deep misgivings about the levelling suppression of the different, the displaced, and those marginalized by the abstract liberal conception of equality. More than this, a number of contemporary interpreters have sought to brush Nietzsche's philosophy against the grain to discover in it the seeds of a new conception of social co-operation; one capable of sustaining, not suppressing, a commitment to the expression of positive difference.

The following article investigates the efforts of a range of recent interpretations concerned to establish Nietzsche's relevance to us. Against the totalizing character of Lukács's reading, these interpretations typically suppose themselves uninterested in the disclosure of the essential truth of Nietzsche's texts: theirs is an avowedly appropriative interest concerned to harness aspects of Nietzsche's philosophy to the clarification and elucidation of contemporary concerns and ideologies. Whilst recognition of an ongoing hermeneutical struggle between the texts and their modern interpreters is signalled through the invariably strategic character of these readings, many important lapses in the realization of their manifestly anti-totalizing intentions can be discovered in the work of this recent generation of Nietzsche interpreters.

fonte: http://www.radicalphilosophy.com/default.asp?channel_id=2188&editorial_id=10471

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O axioma que fica parece óbvio, ao menos para a visão luckasiana: a crítica nietzscheana da modernidade simplesmente abstrai o papel genético do valor na sociabilidade capitalista. Exatamente por isso, ela termina por reproduzir, idealmente, a ideologia burguesa. Enquanto Marx parte da vida cotidiana social, portanto, da prática, Nietzsche parte das representações, das idéias, das opiniões, dos valores morais, dos significados das palavras, etc. "A linguagem não é o espelho do mundo, mas nos oferece acesso ao mundo. Com isso, ela sempre orienta nosso olhar sobre o mundo de uma maneira já determinada. Nela se se encontra inscrito algo como uma visão de mundo", disse o filosófo Jurgüen Habermas, da segunda geração da Escola de Frankfurt. Essa é, aliás, uma das razões para Wittgenstein desmerecer toda a filosofia. Como os filósofos anteriores não conheciam a verdadeira lógica da linguagem, o que faziam eram discursos que nada tinham com a realidade. Pensavam que estavam elaborando problemas, mas eram apenas falsos problemas: "A gramática não tem contas a prestar à realidade. As regras gramaticais nada mais fazem que determinar o significado; por isso não são responsáveis perante o significado, e nessa medida são arbitrárias''. Desta maneira, Wittgenstein reduz a filosofia de Nietzsche, Schopenhauer e Kant a simples discursos falsos. Para Wittgenstein, existem algumas coisas que se podem dizer, outras se podem apenas "mostrar". É exatamente isto que Marx faz. Marx não nos deu uma lógica; ele nos deu, ou melhor, "mostrou" a lógica do Capital, ou ainda como disse Lenin quando perguntado sobre "o que era o marxismo", respondendo de forma canônica e lapidar: "É a análise concreta de objetos concretos". Marx não parte do pensamento, parte do indivíduo que pensa. O pensamento é um dos tantos atributos dos indivíduos, e varia de acordo com a vida social e histórica dos indivíduos. Nietzsche, assim como os neo-hegelianos, pensa que a esfera espiritual, a cultura, determina a vida a partir de si própria (e por isso, volta a fazer a crítica à religião, à moral, etc. - até chegar no ponto de moralizar a ciência e relativizar o conhecimento!). Pensa que os grilhões que aprisionam os homens são meras crenças (quando não cai desse espiritualismo cristão "às avessas" no mais crasso materialismo naturalista). Sequer desconfia que a raiz da decadência que supostamente critica está na esfera das relações sociais de produção; Nietzsche simplesmente ignora o que seja a economia. Nietzsche é notável não por suas “críticas”, mas por oferecer ao burguês uma “saída”, ou melhor, um consolo ideal para apaziguar a consciência de ser burguês – é da decadência que Nietzsche espera o retorno dos fortes. Definitivamente um anti-materialista e anti-dialético. Enquanto Nietzsche desenterrava Deus, morto desde o Iluminismo Francês (e depois, pela já tardia Aufklarüng alemã, que termina em Feuerbach), para continuar a chutar o cadáver, Marx, desde 1844 (Introdução a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel), já declarava: a crítica à religião está encerrada. Não cabe criticar crenças, cabe criticar O MUNDO que leva aos indivíduos a necessidade de ter crenças.

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Prefácio da Ideologia Alemã:

Até o presente os homens sempre fizeram falsas representações sobre si mesmos, sobre o que são ou deveriam ser. Organizaram suas relações em função de representações que faziam de Deus, do homem normal etc.
Os produtos de sua cabeça acabaram por se impor à sua própria cabeça. Eles, os criadores, renderam-se às suas próprias criações. Libertemo-los, pois, das quimeras, das idéias, dos dogmas, dos seres imaginários, sob o jugo dos quais definham. Revoltemo-nos contra este predomínio dos pensamentos. Ensinemos os homens a substituir estas fantasias por pensamentos que correspondam à essência do homem, diz um, a comportar-se criticamente para com elas, diz outro; a expurga-las do cérebro, diz um terceiro – e a realidade existente cairá por terra.
Estas fantasias inocentes e pueris formam o núcleo da atual filosofia neo-hegeliana que, na Alemanha, não somente é acolhida pelo público com horror e veneração, mas apresentada pelos próprios heróis filosóficos com a solene consciência de sua periculosidade revolucionária mundial e de sua brutalidade criminosa. O primeiro tomo da presente obra [Feuerbach-Bauer-Stirner] tem por finalidade desmascarar esses carneiros que se julgam lobos e que assim são considerados; propõe-se a mostrar como nada mais fazem que balir filosoficamente as representações dos burgueses alemães e que as fanfarronices desses intérpretes filosóficos apenas refletem a derrisória pobreza da realidade alemã. Tem por finalidade colocar em evidência e desacreditar essa luta filosófica com as sombras da realidade, que convém ao sonhador e sonolento povo alemão. Certa vez, um bravo homem imaginou que, se os homens se afogavam, era unicamente porque estavam possuídos pela idéia da gravidade. Se retirassem da cabeça tal representação, declarando, por exemplo, que se tratava de uma representação religiosa, supersticiosa, ficariam livres de todo perigo de afogamento. Durante toda sua vida, lutou contra essa ilusão da gravidade, cujas conseqüências perniciosas todas as estatísticas lhe mostravam, através de provas numerosas e repetidas. Esse bravo homem era o protótipo dos novos filósofos revolucionários alemães. Todos os críticos filosóficos alemães afirmam que os homens reais têm sido até aqui dominados e determinados por idéias, representações e conceitos, que o mundo real é um produto do mundo ideal. /.../ concordam na crença no domínio dos pensamentos; concordam na crença de que seu ato de pensar crítico levará, fatalmente, à destruição do estado de coisas existente, seja porque imaginam que sua atividade pensante isolada é suficiente para alcançar esse resultado, seja porque querem conquistar a consciência universal. Desde que os jovens hegelianos consideravam as representações, os pensamentos, os conceitos – em uma palavra, os produtos da consciência por eles tornada autônoma – como os verdadeiros grilhões dos homens (tal como os velhos hegelianos neles viam os autênticos laços da sociedade humana), é evidente que os jovens hegelianos têm que lutar apenas contra essas ilusões da consciência (e que uma modificação da consciência dominante é o objetivo que se esforçam por atingir). Uma vez que, segundo suas fantasias, as relações humanas, toda a sua atividade, seus grilhões e seus limites são produtos de sua consciência, os jovens hegelianos, conseqüentemente, propõem aos homens este postulado moral: trocar sua consciência atual pela consciência ‘humana’, ‘crítica’ ou ‘egoísta’ (respectivamente: Feuerbach, Bauer, Stirner. - EHG), removendo com isso seus limites. Exigir, assim, a transformação da consciência vem a ser o mesmo que interpretar diferentemente o existente, isto é, reconhece-lo mediante outra interpretação (11a. tese Ad Feuerbach. - EHG). A despeito de suas frases que supostamente “abalam o mundo”, os ideólogos da escola neo-hegeliana são os maiores conservadores (o que é fácil de se constatar entre os que usam “martelos” e “dinamites” à vontade... de poder – voluntarismo. - EHG). Os mais jovens dentre eles descobriram a expressão exata para qualificar sua atividade quando afirmam lutar unicamente contra ‘fraseologias’. Esquecem apenas que opõem a estas fraseologias nada mais do que fraseologias e que, ao combaterem as fraseologias deste mundo, não combatem de forma alguma o mundo real existente. [...] A nenhum destes filósofos ocorreu perguntar qual era a conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a conexão entre a sua crítica e o seu próprio meio material.

- KARL MARX & FRIEDRICH ENGELS, 1846.

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