quinta-feira, 10 de março de 2011

Ai esses parasitas pós-modernos...

O apóstolo Paulo tolerava aquilo que ele categorizava "os tolos de cara alegre". Pois é, seu Zé, eu também. Mas, aqueles que me conhecem sabem; minha relação de fé (sic) com a "Santa Paciência" sempre foi marcada pela indignação latente e, ao menor toque de desequilíbrio na balança, uma explosão pode acontecer e o cobre irá derreter. Minha borda já transbordou faz tempo... supersaturou.

Uma amiga de Cuiabá me manda o blog de um tal Danilo Fochesatto (http://ababsurdoadextremum.blogspot.com/), que, segundo consta nos autos, trata-se de um jovem profícuo "escritor" cuiabano. Confesso que depois de consumir a "literatura" do rapaz tive sérios problemas intestinais e necessitei de altas doses de Lactopurga madrugada a dentro para eliminar tamanho monumento fecal do meu reto encefálico. Ao passar os olhos de leve sobre a ortografia fochesattiana, lembrei-me imediatamente do livro "Imposturas Intelectuais", dos físicos Alan Sokal e Jean Bricmon, onde tratam de desnudar impostores pós-modernistas, "literatos", "filósofos", "compositores" etc., que estão ganhando fama e respeito escondendo a falta de talento e conhecimento através de pseudo-intelectualismo, amontoando palavras rebuscadas, a famosa "inutilia truncat". Fiquei sabendo também que o distinto escriba já tem até livro publicado, 8ITO (http://topcuiaba.com.br/conteudo.php?sid=4&cid=1972), título auto-explicativo - e pouco criativo, diga-se. "São oito contos de pura realidade ficcionada" (sic). Para quem se interessou pelo panfleto transgressor, o manuscrito sai pela bagatela de 15 reais - devo alertá-los, contudo, que com 1,90 na banca da esquina você obtém acesso à obras de densidade e profundidade semelhantes, como o Tio Patinhas ou a Turma da Mônica volume em que o Cebolinha vai ao Parque dos Dinossauros.

Danilo aparentemente pode ser catalogado dentro daquele arquétipo que eu simplesmente adoro e fico embevecido quando encontro, o famoso "moleque que não sabe o que faz no mundo". Moleque que não sabe o que faz no mundo é aquele sujeito que tem dificuldade em conhecer a si próprio, então resolve virar um brilhante professor de confusão mental para os outros e criar um mundinho desregrado que só funciona sob a lógica do seu QI de mosquito. A suruba estilística chama atenção nos seus textos. Uma mistura de André Breton com Anaïs Nin com uma pitada de Caio Fernando Abreu, passando de um proto-existencialismo fuleiro até o mais aloprado e hilariante surrealismo em uma troca de parágrafo. É, o cara não é fraco não. Ao ler este menino, lembrei-me também de Freud, em carta para Stefan Sweig, reclamando da utilização totalmente errada de suas concepções, como por exemplo a transformação da livre associação em escrita automática nas obras dos surrealistas: "Eu não entendo o que essa gente vê em mim, eu não entendo nada do que eles falam, do que eles fazem e eu acho que eles são malucos integrais". Freud e Breton trocaram correspondência. Breton ofereceu a Freud "uma coletânea dos seus sonhos", perguntando se o pai da psicanálise teria "interesse" neles. Freud respondeu: "Não tenho o menor interesse nos seus sonhos meu caro, o que me interessa é interpretar sonhos".

Voltando à infantilidade pretensiosa que não tem nada de preciosa: suas construções são elaboradas, cheias de malabarismos metafóricos, falta de linearidade discursiva, emaranhados de prolixidade e figuração desconexas, descrições confusas quando o leitor ainda não está nem familiarizado com os ambientes e personagens, expressões exageradas, drásticas em excesso, abuso de clichês e subjetivismo etc. "Todas as mutações se dão na penumbra, na zona indistinta entre o ser e o não-ser: o jovem, em trânsito entre o que já não é e o que não é ainda, é, por fatalidade, inconsciente de si, de sua situação, das autorias e das culpas de quanto se passa dentro e em torno dele", usando as palavras do mais célebre humorista e guru da direita brasileira. Nada contra valer-se de subjetivismo, impressões pessoais etc. Tudo contra o subjetivismo que está longe de ser aquele que dá a precisão do relato, aquele que consegue inserir o leitor no fato relatado. Mario Quintana falou certa vez que um bom poema é aquele que "lê a gente, e não o contrário". Refiro-me a isto, algo que "dê para pegar". O que não dá mesmo, de qualquer forma, é para cair tão somente na imprecisão lisérgica, na precipitação indeterminada, na falta de nexo causal. Linguagem abstratista, forçada, artificial e artificiosa, que sufoca a experiência direta sob toneladas de construções sem pé nem cabeça. Uma verborréia presunçosa que tentar passar uma ilusão de superioridade justamente no momento em que mergulha no mais fundo poço da estupidez, legitimando um estado de total confusão mental indo do relativismo ao desconstrucionismo. Patifaria intelectual por meio da desordem. Como escreveu Oswaldo Giacoia Jr., reconhecido como o grande estudioso brasileiro de Nietzsche e professor do Departamento de Filosofia da UNICAMP: "O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda; a dor da falta de sentido".

Enquanto ainda me recuperava da má-digestão provocada por este espetáculo de truanice e embuste literário, me senti a testemunha solitária e melancólica de um fracasso geracional. Pensei sobre o fracasso de minha geração, ideologicamente pouco engajada, anarquizante, cheia de vícios pequeno-burgueses, existencialmente frágil e quebradiça, não obstante insolente por insistir em descrever as paisagens de sua miséria humana e definir o caminho dos seus personagens pela terra. Pensei, sobretudo, no futuro esclerosado que representamos...

Subitamente senti uma nostalgia inexplicável e intensa, uma saudade de um tempo de fuzis e pombas que não vi e não vivi, contemplando, modestamente, o retrato de Che Guevara acima de mim, olhando ao horizonte, de boina e cabelos revoltos... prelúdio de uma lenda guerrilheira entre os silêncio e as nuvens dos Andes.



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